"Eu te amo"


A reflexão já vinha de outros tempos, mas na última roda de conversa dos homens pretos, na qual o tema foi a paternidade, eu me senti mais do que obrigado a sentar com o Morgan e abrir o coração. Volto depois pra falar sobre isso porque quero comentar sobre a roda que tem aberto várias linhas de pensamento e me motivado a tomar atitudes interessantes. Uma roda de conversa entre homens pretos, sobre ser homem preto onde as estatísticas mostram que não é nada fácil ser homem preto. Nesse dia eu escutei vários relatos do que, pra mim, é nada mais que a consequência do que o sistema arquitetou há vários séculos em seu plano de destruição desse povo. 
Um efeito dominó onde pai abandona filho, pai não cuida do filho, pai não conhece filho, filho ignora pai, filho se torna péssimo pai, filho não sabe do pai... Um sistema perverso em que muitos se perdem e as pedras continuam caindo. Infelizmente isso tudo pode ser confirmado pelas estatísticas, basta uma busca rápida no Google. É só juntar uma informação com a outra, ver um filme aqui (Fences), outro ali (A 13ª emenda) que fica mais fácil de entender, caso tenha alguma dúvida sobre o assunto e queira aprofundar de forma mais CLARA.
Pois bem, no meio disso tudo eu pego a minha caminhada até aqui e vejo que o Morgan é um cara diferenciado. Um dos poucos exemplos positivos do que é ser um pai preto que foram citados na roda de conversa. O cara me levava pro campeonato de futebol desde criança e ainda se inscrevia como técnico. Acompanhava o desempenho escolar (sofreu bastante com minhas notas), está sempre disponível quando acionado e segue sendo a pessoa que eu tenho como referencial de sucesso e quem eu tento ser desde que eu me entendo por gente. 
Vendo isso tudo e escutando os relatos de alguns irmãos de roda eu tive a confirmação de que eu sou muito privilegiado. Cresci em uma família preta completa sem nenhum problema dos quais somos "programados" pra ter. Percebi que os problemas que eu tenho com o Morgan são 'White Problems' total, fui pra frente do espelho e me preparei pra me declarar. Saí correndo do trabalho pra almoçar em casa, tava com o discurso na ponta da língua, tudo certo pro momento esperado. Cheguei em casa e ele estava sozinho, tudo se encaminhando como o planejado. Aí faço o meu prato e sento ao lado dele no sofá. E aí, o que acontece? Meus White problems brotam como uma flor na primavera! Quem conhece a dinâmica lá de casa sabe que não somos os mais conversadores entre nós. É uma missão pra rolar um bate papo aleatório. Aí quando eu estava prontão o cara começa a reclamar que a casa está suja e não me dá um espacinho pra eu soltar a voz (numa realidade em que nem pai em casa temos, em que os problemas diários são muito mais sérios, ter um cara pra ficar ENCHENDO O SACO porque a casa está suja é um problemão que eu rezo todo dia pra continuar tendo). Mas aguardei pacientemente e quando o sermão acabou pude tentar reproduzir o que tinha treinado - devo ter falado 26% do que ensaiei - agradeci por tudo que tem feito como patriarca, nos olhamos meio que de rabo de olho, os dois totalmente sem jeito pra aquele tipo de conversa e foi assim, sublinarmente, que saiu o meu "eu te amo" pro Morgan. 

Comentários

  1. Ih, carái... entrou um cisco no meu olho...
    Um pouco de inveja, confesso, mas uma alegria enorme de ler um relato assim. Meu pai não foi nada disso, mais um pras estatísticas. Sua história precisa ser contada, justamente pra contrariar. Continue!
    p.s.: parabéns, pela coragem e pelo pai <3

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