A viagem

Era tanta coisa que eu tinha pra organizar na vida antes da cirurgia que eu não consegui nem ficar nervoso e apreensivo para o grande momento. Mas mesmo assim ele chegou. Estava lá na salinha já com aquela roupinha ridícula de novo aguardando me chamarem. Disserem que já iria ser chamado, mas acabou que um senhorzinho entrou na minha frente pra fazer a cirugia e não foi tão rápido como disseram. Mesmo assim minha cabeça ainda não estava ali. Continuava resolvendo coisas e mostrando pra minha irmã qual era o meu melhor ângulo, caso quisesse tirar alguma foto minha sem que eu percebesse. Tudo tranquilo e calmo. Mas qual a necessidade de se manter um clima assim antes de uma cirurgia, não é mesmo? Eis que meu celular toca e recebemos a informação que minha avó acabara de ser internada. Pô, eu mesmo fiquei com a energia lá em cima! Era o que eu tava precisando pra ficar numa boa. 
O clima de serenidade que estava no quarto simplesmente desapareceu e no lugar dele veio um silêncio, que só era interrompido pela brincadeira do mini. Esse sim tava de boa na vida! Matando aula, brincando de super herói e acreditando que o homem de ferro tinha machucado o Dindo dele é que depois da cirurgia iriamos nos vingar. 
No meio disso tudo a porta do quarto abre e não há tempo pra mais nada. Um enfermeiro entra com uma cadeira de rodas, eu me despeço dos meus acompanhantes e saio do quarto pensando estar tudo bem e fazendo piada com o enfermeiro. Ele me leva até a porta do centro cirúrgico, onde tenho que levantar e sentar numa outra cadeira de rodas pra uma enfermeira me levar até o local. Em apenas um passo eu sinto meu corpo todo ficar gelado, era eu entrando no ambiente da cirurgia. Não sabia que que era frio daquele jeito, me senti num frigorífico e foi nesse momento que a ficha caiu. Lembro que enquanto eu estava abaixado pra sentar ter escutado "você quer ir ao banheiro?" e eu prontamente ter respondido "não, acabei de ir". Depois disso fomos passeando lentamente por aquele gelo e eu só escutava o barulho da rodinha que nem fone de terror, nada mais. Minha cabeça começou a acelerar e quando me dei conta eu estava de frente pra aquela coisa que não cabe nem uma tripa seca onde eu deveria ficar deitado. Nesse momento eu só lembro de ter aberto a boca e originando o seguinte diálogo: 
- quero ir ao banheiro
- mas você acabou de falar que não queria...
- eu? Não... Eu disse que queria ir ao banheiro. Vamos pro banheiro! 
- mas você...
- amiga, eu preciso ir ao banheiro. Você não deve ter escutado. Eu disse que queria ir. Ainda quero ir! 
- Então tá, senta aí que te levo lá.

Nesse momento eu já tava desesperado pronto pra ir pro banheiro que eu nem sabia onde era sozinho se fosse preciso. Quando cheguei no na banheiro que eu entendi a necessidade da cadeira de roda. Eu estava com minhas pernas congeladas e trêmulas. Tive que ficar me segurando com os braços na parede pra manter o equilíbrio. Fiz exatamente duas gotas de xixi. E foi o mais demorado da minha vida.
Não tinha mais como enrolar. Voltei na cadeirinha do jigsaw e os jogos começaram. Colocaram um treco no meu soro que me fez dormir, porém quando eu acordei o meu olho já estava aberto e chino se isso não fosse o bastante estavam cavucando ele!!1!!!!1!111!1 
Aí que eu me lembrei das orientações sobre os cirurgia de que iam me dar pra poderem enfiar uma agulha com a anestesia no meu olho e que depois eu ficaria acordado "vendo" tudo. 
Pois então, não mentiram. E lá estava eu com a sensação mais bizarra da vida. Um olho tampado e o outro sendo cavucado. Não sentia mais frio porque me cobriam, mas não entendia o que estava acontecendo com meu corpo porque tava tudo estranho, meio que flutuando, enquanto meus braços estavam amarrados e acima da minha cabeça eu escutava vozes e uma delas dizia bem alegre "Oi! Tá tudo bem aqui!". Foi nesse momento que eu percebi que não tava nada bem. Tem jeito mais sinistro se de acordar alguém?!? 
Depois daquele tempo que a gente leva pra acordar mesmo que eu fui me lembrar o que estava acontecendo. E aí fui tentar analisar tudo individualmente. Confesso que não foi uma boa idéia. O cobertor e o braço amarrado eu entendi. Ok. O olho tampado blz. Mas quando chegou no outro olho eu não conseguia me concentrar no que eu nem sabia o que tava procurando. Porque a médica não parava de conversar com a enfermeira bem do lado do meu ouvido e eu não consiga enxergar nada, mesmo vendo um monte de coisa. Pra tentar explicar visualmente: parecia que eu estava no fundo da piscina olhando pro lado de fora dela. Ficava a sensação da água se mexendo, a visão turva, a luz do lado de fora, mas sem conseguir saber o que estava vendo. Ao mesmo tempo a conversa estava nítida. Rolou uma confusão de sentidos e foi me dando claustrofobia porque eu achava que tinha que sair dali de qualquer jeito pra me proteger. Mas também sabia o que estava acontecendo. Enquanto Rosana essa confusão mental eu senti meu corpo ficando quente e soltei meio que um grito que instantemente tudo parou. Aí disse que precisava me mexer urgente e disseram que era só relaxar as pernas que ajudaria. Percebi que eu estava tão tenso que não me toquei que as pernas estavam soltas e os braços mesmo amarrados tinham movimentação. Consegui dar uma relaxada e aí do nada senti uma pontada aguda que dói só de lembrar. Era a médica cortando um fio do ponto. Foram só dezesseis! Mas lembro de ter sentido uns três. Devia estar demasiado nos outros. Ah! Ainda tinha um negócio de oxigênio nas minhas narinas que soltava o oxigênio mais gelado que bunda de frango pra dentro de mim. Rapaaaaz passei por uns bons bocados naquela salinha. 
Tinha um relógio lá e eu consegui marcar o tempo total dessa aventura: duas horas de uma viagem muito louca! 
Depois de lá, fui encaminhado pra uma salinha que eu apelidei de "o que acabou de acontecer?". Não outro nome pra ela já que você fica lá sozinho num silêncio da porra, sem fazer nada e só com uma enfermeira de costas pra você fazendo as coisas dela lá no canto. Não tem medicação, conferência nem nada. Fica sentado refletindo. E a minha reflexão foi sobre o que tinha acontecido comigo. Depois disso voltei na cadeirinha para o meu seio familiar no quarto, fiquei sabendo que vovó estava bem e de lá retornei para minha casa depois da minha primeira refeição do dia, às 17h. 
Show, né? 

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